E um inferno, que perrengue, que horror, vamos sair voando… é ruim mas tá bom! Pois é, a vida de um aventureiro não é fácil, mas para conhecer lugares ou mundos hora distantes, de difícil acesso e pouco explorados, vale a pena viver este perrengue e sair voando. O Campo de Gelo Sul da Patagônia, é considerado a terceira maior extensão de gelo continental do planeta, depois da Antártida e Groelândia, com 350km. Está encravado na Cordilheira dos Andes e compreendendo os países do Chile e Argentina. Esta grande massa de gelo alimenta os famosos glaciares, Viedma, Upsala e Perito Moreno, dentre outros.
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Campo de Gelo Sul da Patagônia
Por Ronaldo Mendonça ℹ︎
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O preparo para a aventura
Tudo começou há alguns anos, depois de conhecer El Chaltén (povoado de 500 habitantes localizado na Argentina), onde pude ver e sentir algumas das montanhas mais conhecidas para aventureiros, trekkers e escaladores de todo o mundo: o Cerro Torre e o Cerro Fitz Roy; e tive a curiosidade de saber se seria possível conhecer o outro lado daquelas montanhas. Voltei ainda algumas vezes, acompanhando grupos de caminhadas do Eco-Caminhantes. Após algum tempo de pesquisa, planejamento, aquisição de equipamentos, preparação física e a composição da equipe. Diga-se: Ronaldo Mendonca, Melissa Bocchi, Dieini Dias e Petrônio Capparelli, todos de Porto Alegre, embarcamos rumo a El Chaltén, capital do trekking na Argentina e início da nossa expedição de sete dias e 80km de montanhas, gelo e muita aventura.
O trekking no Campo de Gelo é considerado uma atividade muito difícil e que exige, além de algum conhecimento técnico de trânsito em glacial e gelo, um bom preparo físico para carregar uma mochila de 25 kg, conhecimento para montar e desmontar acampamento, cozinhar sue própria refeição, muito preparo psicológico e muita sorte.
E sorte não nos faltou! Nos sete dias da expedição, o clima da região comportou-se perfeitamente bem, dias e noites de céu limpo, sem chuva, sem nevasca, e, com exceção do 3º e 6º dias em que tivemos ventos de mais de 100km, tudo correu bem.
Campo de Gelo Sul da Patagônia
Dia 1: reunião da equipe com os guias, boa alimentação e descanso
Este, com certeza, foi o dia mais tranqüilo da expedição. Dia de reunião com os nossos guias, para revisar todo o nosso equipamento pessoal, tais como: vestuário, calçados, remédios, lanterna, óculos, curativos para os pés, mochila, garrafas para transportar água, entre outras coisas. Também fomos orientados sobre o clima da região, o percurso que iríamos fazer e onde iríamos ou poderíamos dormir. Orientados e ansiosos, fizemos uma boa refeição e fomos descansar.
Dia 2: ansiosos para começar – distribuição e checagem do equipamento
Neste dia foram distribuídos os equipamentos do grupo, tais como barracas, isolantes, sacos de dormir, grampos, raquetes para neve, cadeirinhas, fogareiro, gás e os kits para refeições. Nossas mochilas já estavam cheias de roupas para frio e neve, botas, equipamentos individuais e guloseimas extras… e agora, mais equipamento! Após a distribuição de todos os itens entre o grupo, as mochilas foram pesadas em uma balança e em média estavam com 26 kg.
Naquele momento nossos olhares diziam tudo… será que vamos conseguir?!?! Depois do susto com o peso e tamanho das mochilas, embarcamos numa caminhonete rumo à ponte do Rio Elétrico, distante 17 km ao norte de El Chaltén.
O primeiro trecho seria de trilha seca, sem gelo. Mochila nas costas e “pernas pra que te quero”. A ansiedade era tanta que, mesmo com as mochilas pesadas, andávamos na trilha a passos rápidos como se elas nem existissem. Após uma parada para descanso, no Refúgio Piedra del Fraile, seguimos caminho em direção ao nosso primeiro acampamento.
Passamos por uma floresta de Lengas – Nothofagus pumilio (árvore nativa), onde estávamos protegidos do vento e do sol, para depois entrar no Vale do Rio Elétrico, um descampado entre montanhas e com muitas pedras no caminho. Pedras que dificultaram nossa caminhada, pois com a mochila pesada era fácil perder o equilíbrio.
Vencidas as primeiras pedras, que não nos derrubaram, ainda, chegamos ao nosso primeiro acampamento La Playta. Onde montamos as barracas, fizemos uma refeição leve e gastamos nosso tempo descansando e conversando como seria o próximo dia… A entrada no Glaciar Marconi, considerado o trecho mais difícil e técnico da expedição.
Dia 3: ansiedade, medo e cansaço
Sair da barraca e estar ali, naquele momento, encarando uma montanha, um caminho de gelo e fortes ventos.., com certeza não estávamos na praia, apesar de nosso acampamento se chamar “la playta”. Seguindo o caminho, chegamos ao Glaciar Marconi, olhares desconfiados e medrosos… por onde vamos subir, como vamos subir e… que tal voltar para a cidade, hein?!
Pois bem, colocamos os grampos nas botas e lá fomos nós, passo a passo, ganhando a montanha e vencendo os medos. O Glaciar Marconi mostrou-se generoso. A partir daquele dia, por toda a expedição, o clima foi sensacional, sem chuvas, sem nevascas e pouco vento. Apesar das dificuldades, foi um grande dia, difícil, mas não menos bonito.
Entrar no glaciar me fez pensar nos grandes exploradores de séculos passados, estava com uma sensação de conhecer o que ninguém conheceu, de viver o que ninguém viveu, um prazer enorme e felicidade de quem realmente gosta de viver a vida intensamente. A ficha começa a cair… estamos na Cordilheira do Andes entrando no Campo de Gelo. Após uma caminhada no gelo duro, paramos para engatar as cordas, pois entraríamos num trecho nevado e tínhamos que andar encordados.
Depois um trecho de escalada em pedras com grampos (vocês não imaginam a dificuldade de escalar pedras, usando grampos nas botas), passado este “perrengue” iniciamos um trecho de gretas, muita atenção e tensão no grupo e inevitavelmente nos levou ao stress e ao cansaço antecipado.
Havíamos planejado dormir no Refúgio Chileno (como o nome sugere, o refúgio fica do lado chileno, pois ora estávamos do lado chileno, ora do lado argentino), mas não tínhamos pernas para mais duas horas de caminhada na neve e entre gretas, então montamos nossas barracas antes do previsto.
Dia 4: o Campo de Gelo Sul da Patagônia
RONALDO, MELISSA, DIEINI E PETRONIO, TENEMOS QUE VOLVER.
Disse guia.
Como assim volver?
NO ME COMPREENDES? TENEMOS QUE VOLVER POR LA MONTANA, PERO ESTA MUY PELIGROSO CAMINAR POR LAS GRIETAS…
Disse guia.
Ufa! Era só um sonho!
Mas este dia não seria muito diferente de um sonho. Estávamos a menos de 500 m da entrada no campo de gelo e após colocarmos roupas impermeáveis, raquetes e as cordas para segurança seguimos para o nosso sonho… naquele momento, não sabíamos se sorríamos ou chorávamos, mas lá estávamos nós, entrando no campo de gelo sul da Patagônia… entrávamos em outro mundo, entrávamos em um sonho.
Paisagens brancas que se perdiam no horizonte, paisagens que clareavam nossos olhos e nossos pensamentos que simplesmente se perdiam. Após algumas horas de caminhada, montamos acampamento em um lugar de indescritível beleza, chamado Círculo de los Altares, perfeito para sentar e observar aquele lado selvagem da natureza. Até aqui tudo bem, mas com o final do dia e a chegada da noite, que era de uma lua cheia que explodia no céu, veio também o vento, que perdurou até o dia seguinte, atormentando nossos pensamentos, deixando nosso sonho com cara de pesadelo.
Será que vamos sair voando? As barracas aguentam? Pois é, o vento passava de 100 km/h, mas todos e tudo aguentaram.
Dia 5: mais um dia no campo de gelo
Após uma noite não muito bem dormida, por causa da brisa que soprou a mais 100km/h, seguimos rumo ao nosso próximo acampamento na Laguna de los Esquies e fora do campo de gelo. Um fato interessante, que foi unanimidade entre os expedicionários, foi a sensação de caminhar e quase não sair do lugar. Lembro que marcava um ponto, um pico de uma montanha, por exemplo, media a minha distância e caminhava, caminhava, caminhava e nunca chegava. Claro que num determinado momento chegava, mas a noção para medir a distância ficava muito distorcida e o ponto de referência muito distante. Além da distância, o tempo de caminhada também parecia diferente, pois caminhávamos todos encordados e num bom ritmo, e quando parávamos parecia que havíamos caminhado somente 2/3 km, mas na verdade já havíamos percorrido no mínimo o dobro desta distância.
À medida que caminhávamos, podíamos avistar o início dos Glaciares Viedma e Upsala. Algumas pedras ficavam evidentes na superfície do gelo e a quantidade de gretas também aumentava. Naquele momento estávamos saindo do campo de gelo e caminhando sobre o glaciar Viedma, que nos acompanharia até o final da expedição. Neste dia acampamos na Laguna de los Esquies.
Dia 6 e 7: um caminho interminável de pedras
A partir do acampamento na Laguna de los Esquies até o acampamento localizado no Passo Huemul foram dois dias de intermináveis pedras. O risco de uma torção de tornozelo, joelho ou uma queda era eminente, sendo que desde o início da expedição pelo menos cada um de nós sofreu alguma queda. Para o nosso conforto, a medida que íamos descendo e saindo do campo de gelo, que tem sua altitude máxima nos 1.500m, a paisagem se mostrava diferente e mais viva, com algumas gramíneas, flores, besouros e borboletas. Seguindo nosso caminho até o acampamento no Passo Huemul, fomos acompanhados pelo Glaciar Viedma, o maior da região. Em alguns momentos, a trilha ladeava penhascos profundos de mais de 200m, e para aumentar o stress, o vento da Patagônia se fez presente novamente, aumentando os riscos.
No último trecho, tivemos que subir a montanha com um vento de 130km vindo pelas costas. Foi um inferno, um horror, quase saímos voando. As lentes dos óculos da Melissa simplesmente saíram da armação e foram levados pelo vento.., que baita perrengue, hein!! Depois do susto e descendo a montanha, a vegetação de lengas já se fazia presente e foi ali, protegidos do vento que soprou durante toda a noite, que montamos nossas barracas e passamos a última noite da expedição.
Dia 8: banho quente, café com Leite, colchão, Lençol…
Depois de um vento que atormentou a todos, decidimos que naquele mesmo dia voltaríamos para El Chaltén, apesar de que o programado era ficar mais um dia na montanha.
Com um nascer de Sol magnífico, descemos a montanha até o píer da Laguna Toro, local onde a lancha iria embarcar todos que estavam retomando de atividades na montanha, inclusive nós.
Após sete dias de expedição, mochilas pesadas, ventos fortíssimos, comida desidratada, bolachinhas e barra de cereal, voltamos para o banho quente, para a pizza e a carne suculenta, para o refrigerante e o vinho, enfim, voltamos! Voltamos cansados e saudosos do conforto, mas extremamente felizes e satisfeitos, certos de que as montanhas, a neve, o vento e o gelo, a partir de agora, fazem parte da história de nossas vidas.
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Ronaldo Mendonça é sócio da agência Eco-Caminhantes.
Fotos de Ronaldo, Melissa Bocchi, Dieini Dias e Petrônio Capparelli. Para ver mais acesse o site Eco-Caminhantes.
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